DECIFRA-ME OU DEVORO-TE

DECIFRA-ME OU DEVORO-TE

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

meiose

Me faço,
sou fragmentos.
Me desfaço,
nao me identifico
entre os pedaços.
Sou muitas nessa divisão instinta.
Quem será que sou eu?
Sou várias dentro de mim.
                                             karinissíma
Abrindo um antigo caderno



foi que eu descobri:


Antigamente eu era eterno.


Paulo Leminski
Na penumbra da noite,
rostos mutilados,
olhos vagalumes.
É só saber ver
dentro das estrelas.

karine
vejo melhor
quando sonho
de olhos fechados

Helena Kolody
tão longa a jornada
e a gente cai, de repente,
no abismo do nada
Kolody
pequenos motivos
Súbitos silêncios,
palavras inesperadas
geram decisões.
Um encontro ocasional
altera todo um destino.
kolody

RISCO

Essas palavras que fiquem gravadas.
Não como poemas escritos a batom num espelho.
Mas como poesia gravadas com sangue.
Como marcas profundas.
Rasgos nos punhos.
Marcas do que se vive é a poesia.
karine


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

BALANÇA

VIVER                            CONVIVER
VIVENCIA           CONVIVÊNCIA
            EXPERIÊNCIA
                       ?

Hg

Metamorfose
transformação metálica.
Prata... rola o mercúrio.
Escorrega e cai deslizando
dentro das páginas de um livro,
lacrimejado de poesia.
Arde. Queima os olhos.
Metal que cega e irradia.
Palvras metálicas.
Necessárias.
Transformam. Ferem.
O poeta é mutação perigosa.

ENIGMA DA ESFINGE

ENIGMA DA ESFINGE
                                     SE VAI
            ALGUÉM
VOLTA
                         SE VAI
VOLTA

ALGUÉM SE  REVOLTA.  
Em meio a tantas palavras
a gente se perde.
Na poesia mínima
a gente se encontra e
transcede.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

PEDRO KILKERRY: DE POETA MALDITO A CORPO ESTRANHO

«O inconsciente será um poeta simbolista? Pois eu te digo: O inconsciente é um Rimbaud admirável». As palavras são de Pedro Kilkerry. Nelas, podemos perceber o mesmo deboche literário que levou o poeta a considerar Nietzsche um «bebedor bigodoso» e Eça de Queirós uma «cebola dourada para um bom prato literário». Aos poetas românticos não poupou críticas, pois odiava o sentimentalismo amoroso levado ao extremo, bem como a idealização indianista:

«Faiscava ferruginoso, um tanto cor de Gonçalves Dias! Ah! Dias, tua terra tem palmeiras, tem, tem (...)».

Pedro Militão Kilkerry, ou melhor, como ele dizia Pedro mil...e tão Kilkerry, nasceu na Bahia em 1885, e tem uma grande importância para a literatura brasileira. Apesar de não ter deixado nenhum livro publicado, seus achados são de valor literário inestimável.

Sua obra foi encontrada dispersa em revistas simbolistas da Bahia: Os Anais, Nova Cruzada, Via Láctea, A Voz do Povo, e em jornais como A Tarde e o Jornal Moderno. Foi recolhida inicialmente por seu colega de faculdade e amigo de boemia, Jackson de Figueiredo, no livro intitulado Humilhados e Luminosos, em 1921. Mais tarde, o poeta seria estudado por seu colega de trabalho Carlos Chiacchio. Em um dos textos do ensaísta, Kilkerry é considerado como o «cisne que disse o canto final da geração simbolista». Os trabalhos de Chiacchio foram apresentados por Andrade Muricy em Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de 1952. Para Muricy, o poeta é a «figura mais singular do movimento simbolista baiano, a sua poesia é a mais requintada e artística, a de estética mais complexa e menos, diga-se, – provinciana, dentre a de todos os simbolistas do norte».

Sua obra foi comparada por Figueiredo com a de Mallarmé, Rimbaud, Laforgue e Gregório de Mattos. Muricy o comparou com Lautréamont. O poeta baiano, que conhecia várias línguas e era um leitor assíduo de Homero, Dante, Poe, Baudelaire e Nietzsche, foi também tradutor. Mas por que a ausência de uma obra, pelo menos no sentido tradicional em que a entendemos? A resposta é lançada por Chiacchio: «Não publicou porque não quis. Verso para livros tinha-os de sobra. Além dos manuscritos, tinha de memória a maior parte dos seus melhores versos. Mas sempre desprezou a publicidade, porque a julgava uma estupidez. De livros e versos, como de quaisquer outros, que não acudissem à necessidade pragmática da nossa inteligência, tinha horror».

O maior estudo realizado sobre o poeta esquecido, que seria considerado por Paulo Leminski como um corpo estranho na cidade de Salvador, foi realizado por Augusto de Campos, em sua magnífica obra intitulada Re-visão de Kilkerry, que recupera o escritor seqüestrado, colocando-o no seu devido lugar. O livro apresenta, além de uma biografia do poeta, uma reunião de poemas, devidamente analisados, e fragmentos das crônicas Kodaks, em que Kilkerry ensaia uma prosa modernista, antecipando de maneira surpreendente a linguagem cinematográfica, com humor negro e crítica ácida, que só seria explorada pelos brasileiros a partir da segunda década do século XX. Nesse sentido, poderíamos considerá-lo um precursor de Oswald de Andrade. Diz o poeta em uma de suas Kodaks: «O homem de hoje deve nascer com o instinto da modernidade (...) O costume é o grande assassino. Prendam o Sr. Costume e as senhoras tradições (...) O mundo está num bonde».

Em um artigo publicado na revista virtual Cronópios, Gilfrancisco dos Santos observa que as crônicas Kodaks constituem uma preciosidade da linguagem, «fundindo o que há de mais belo do realismo com a herança saudosista, erudita e sentimental do vernáculo parnasiano». Por meio da crônica, ao fazer denúncias e criticar os problemas sociais, Kilkerry assumia a literatura como missão, o que não era comum em poetas simbolistas. Para Augusto de Campos, o escritor não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente mais tarde valorizado pelo Surrealismo, como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética, produzindo imagens inusitadas por meio de vocábulos literários. Por outro lado, buscou a capacidade de síntese. A consciência das limitações da sintaxe ordinária é mais aguda no poeta do que em qualquer outro do simbolismo brasileiro. Ao lado da síntese, inseria em suas poesias o interesse pela magia, pelo hermetismo e pelo misticismo, nunca o sentimentalismo. No dizer de Campos, sua obra possui a qualidade rara na poesia brasileira, da invulnerabilidade ao pieguismo, ao sentimentalismo, freqüentemente confundidos com a própria poesia: «Tal virtude, aliás, parece ínsita à personalidade do poeta». Pelo menos esse é o testemunho de Jackson de Figueiredo: «Pobre como talvez nenhum dos que compunham aquele grupo de boêmios sentimentais, era, em meio deles, o menos sentimental, mais esquivo a lamúrias e queixas». E o próprio Kilkerry, mais de uma vez, patenteou a sua desafeição pelo lirismo lacrimogêneo da nossa poesia com tiradas sardônicas e implacáveis.

Em um de seus primeiros poemas, «Cetáceo», literalmente mallarmaico, encontramos boas metáforas: «Coalha bebendo o azul um largo vôo branco», um dos mais belos versos da língua portuguesa. «Horas Ígneas», «Harpa Esquisita», «É o silêncio» são poemas em que o talento poético de Kilkerry se revela em sua absoluta maturidade. Na leitura de suas poesias encontramos vários recursos estilísticos, palavras fortes, agressivas, sinestesias, enjambement, elipses, neologismos, aliterações e assonâncias que contaminam os versos com musicalidade e arte. O poeta defendia a liberdade formal, chegando a dizer: «O metro é livre – vivamo-lo». Em «O Verme e a Estrela», que foi musicado por Cid Campos e Adriana Calcanhoto, encontramos a contrariedade do tudo e do nada: «Agora sabes que sou verme / Agora, sei da tua luz / Se não notei minha epiderme / É, nunca estrela eu te supus / Mas se cantar pudesse um verme / eu cantaria a tua luz!».

Para finalizar, poderíamos dizer que Kilkerry foi um poeta além do seu tempo, tendo «olhos novos para o novo», foi o Mallarmé brasileiro, e como um romântico (sua aversão), morreu de tuberculose em 1917. Quando fica sabendo da morte do amigo, Figueiredo lamenta: «Pobre Kilkerry! Morto também, apaga já aquela fagulha de gênio, a mais viva que vi brilhar na mocidade de minha terra».

Apesar de muita coisa ter se perdido do nosso poeta esquecido, como foram Sousândrade e Ernâni Rosas, a prodigiosa inteligência de seus versos é incontestável. Cada poema vale por vários, e o pouco que nos resta já é o suficiente para entendermos o que realmente pode significar a verdadeira poesia, bem construída e articulada.

Jucimara Garbos e Karine Bueno da Costa,



MACUNAÍMA: O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER

Na tentativa de estabelecer uma identidade literária brasileira e apresentar uma obra de arte renovadora, Mário de Andrade cria uma das obras mais expressivas do modernismo brasileiro, Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. O mito já existia. O escritor o extraíra dos estudos etnográficos do alemão Kock Grimberg. A palavra Macunaíma vem de uma língua indígena, e significa o “grande mal”, o deus do mal. No entanto, a personagem de Mário é ambivalente. O livro foi escrito em apenas uma semana, enquanto o modernista estava de férias em um sítio em Araraquara. O livro é lançado em 1928. Nele, o autor misturou lendas, mitos e contos do folclore brasileiro, apresentando as raízes primitivas da nação em busca de uma definição própria.O romance ou rapsódia, como foi definido, conta a história de Macunaíma, um herói com personalidade indefinida, multifacetado, corajoso e covarde, sincero e mentiroso, leal e trapaceiro, esperto e preguiçoso, enfim, o herói da nossa gente. A narrativa é sensual e exótica, como são as lendas e os mitos indígenas. Em um dos prefácios escritos para a obra, e que não foram publicados, Mário afirma que o livro possui uma sensualidade que cheira à pornografia, mas que não deveria ser retirada das lendas.
A linguagem empregada é totalmente literária, original, sonora, com repetições que causam grande musicalidade. Há a utilização de belíssimas metáforas e símbolos que trazem para o texto um tom de ambigüidade, humor, sátira e inovação, elementos que eram muito explorados pelos modernistas de 22. É com Macunaíma que temos a completa realização da antropofagia exaltada por Oswald. Mário estabelece uma nova postura literária no Brasil, influenciada pelas vanguardas. Encontramos em grande parte da obra de Mário a defesa pelo nacional. Assim como Macunaíma busca a muiraquitã, - um talismã que lhe tinha sido ofertado por sua primeira amada, uma guerreira amazona, Mário busca definir uma identidade brasileira. Transitando entre a mitologia e a literatura, ele não impõe no livro limitações de tempo e espaço. Desmonta e remonta o Brasil, como uma obra de arte cubista onde as figuras são sobrepostas. O leitor passa a ver o Brasil por vários ângulos ao mesmo tempo. Num piscar de olhos o leitor passa de um lugar a outro, do presente ao passado, do céu à terra, sem noção de tempo, desfazendo assim conceitos pré-estabelecidos pela teoria e estabelecendo seu estilo genial.Macunaíma, por ser literalmente individualista, tem um final trágico, acaba sozinho e é devorado pela própria mitologia que permeia o livro. Como é o destino de todos os seres, segundo a tradição, vira um astro, a Ursa Maior, indo viver o “brilho inútil das estrelas”. Na década de 60, Macunaíma ressuscita. O cineasta Joaquim Pedro de Andrade transcria para o cinema o que Mário sugere metaforicamente em palavras. O filme se constitui como uma ótima recriação do livro.
O mundo mudou desde a década de 20, quando Macunaíma foi lançado, no entanto, a macro-estrutura da sociedade é a mesma. W. Pietro Pietra, por exemplo, se encaixa perfeitamente no sistema capitalista do mundo contemporâneo. Por trás de todo o humor do livro, aparece um sopro de tristeza. Como dizia Macunaíma, blasfemando contra o próprio país: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Deixo aqui a dica de leitura. Que a busca de Mário de Andrade por uma identidade literária não seja apenas uma quimera. E que autor e leitor possam estar “se rindo um pro outro” literariamente.
Karine Bueno Costa

ENIGMA DA ESFINGE

ENIGMA DA ESFINGE
HELENAKOLODY



helena vivípara


helena


o poema envida


chama ovípara


chama


o poeta revinda


a vida.






Sylvio Back

HELENA KOLODY: esfinge de olhos azuis

         "DEUS DÁ A TODOS UMA ESTRELA
UNS FAZEM DA ESTERLA UM SOL
OUTROS NEM CONSEGUEM VÊ-LA"

“A frase/poema sai do cotidiano, passeia pela experiência da sensibilidade e termina por acertar no ponto limítrofe entre o pensar e o sentir.” É o que Alice Ruiz diz em artigo para Galiere em 1987, sobre a obra de Helena Kolody, como se autora e poesia se tornassem uma mistura homogênea no ato da escrita, “num aperfeiçoamento em que espírito e técnica se fundem para deixar em nós, definitivamente, o perfume da mais autêntica poesia.” (RUIZ). E é assim que se pode definir Kolody, não apenas uma poetisa, mas sim, a poesia em si, como se ambas fossem uma coisa única.
Desde pequena Kolody adorava ler e escrever, seus primeiros poemas foram escritos com apenas 13 anos de idade. Nunca se esqueceu de suas origens, foi a primeira brasileira de sua família ucraniana: “Olha pela janela azul do meu olhar/ sereno e transparente, onde se esconde calma/ a misteriosa esfinge eslava que é minh’alma./ Se olhares bem, verás, por certo, desdobrar-se/ Pela minh’alma adentro a estepe soberana.” Sua obra esteve sempre ligada com a cultura de suas raízes: “Na memória do sangue,/há bosques de bétulas,/ estepes de urzes floridas./ canções eslavas.” Com sua terra natal, nasceu em Cruz Machado-Pr e passou a infância em Três Barras – SC e Rio Negro- PR: “Vim de meu berço selvagem,/ lar singelo à beira d’água,/ no sertão paranaense.” E principalmente com Curitiba, cidade onde cresceu e evoluiu intelectualmente: “Por fim ancorei para sempre/ em teu coração planaltino,/ Curitiba, meu amor!”
Helena foi professora de biologia, suas aulas eram recheadas com poesias, no final das aulas lia um de seus poemas para a classe, todos ficavam encantados procurando decifrar o “enigma/professora de olhos azuis”, que sempre foi muito misteriosa.
A autora viveu uma espécie de afastamento, não isolado, mas sim de observações deste demasiado mundo, e dessa observação um pouco narcisista, com olhos esfíngicos, dentro de um eu que se transfere ao leitor, como diz Paulo Venturelli: “o que a de pessoal, na verdade, adquire uma coloração de interpessoal para permitir uma identificação mais plena com o leitor”, a autora cria poemas que são cheios de sonhos, de uma dimensão maior que a realidade, de um sono acordado, ou melhor: “do longo sono secreto/ na entranha da terra,/ o carbono que acorda diamante.”
O sono/sonho está presente em muitos de seus poemas, “Quando sonho, sou outra/ inauguro-me”, na verdade ela se inaugurava quando escrevia: “vejo melhor/ quando sonho/ de olhos fechados”, pois na verdade: “na realidade eu sonho palavras.” E apesar de querer ser só oniricamente, seus poemas a ligam com o mundo exterior, Venturelli nos diz que “ela precisa do leitor, já que pretende agir sobre ele por meio de magia. Então, cuidadosamente, deixa alguma porta entreaberta: afasta um eu excessivo e abre campo para a interferência do leitor”.
Seus primeiros escritos são mais líricos, onde se pode constatar o amor impossível, amor que ala guardou só para si e para a poesia, pois não se casou e não teve filhos. Sabemos só que um amor existiu, pelo menos poeticamente: “(...) Eterno sonhador, teu vulto pensativo/ vive na timidez do meu amor esquivo.” O amor para ela se tornou apenas sonho e literatura: “fomos duas arvores casta./ não misturamos as raízes./ Apenas enlaçamos/ os ramos/ e sonhamos juntos”.
Outro traço marcante em sua poesia é sua fé, sempre foi muito católica, inclusive um de seus poemas recebeu o imprimatur da igreja e se tornou oração: “Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,/ de ser o coração singelo que perdoa,/a solícita mão que espalha, sem medidas,/ estrelas pela noite escura de outras vidas/ e tira d’alma alheia o espinho que magoa”. E, conclui-se que Deus atendeu seu pedido, pois era adorada por todos, Leminski sobre ela relata: “Mãe querida, nada como ter uma fada na vida.”
A maior realização literária se dá com os haicais e poemas curtos , foi uma das primeiras brasileiras a se aventurar na arte oriental, sua poesia mínima pode ser comprada com um vôo breve de águia, leve, veloz e impressionante: “Prisioneiro do nada/ pássaro mutilado/ que a distancia fascina.” Foi Andrade Muricy quem a incentivou a investir nessa técnica, um fleche de palavras que remetem a uma enorme imagética. “Escrevo por prazer. As vezes meus poemas afloram por inteiro. São os que chamo de vivíparos. (...) Estes são os melhores e geralmente estavam hibernando dentro de mim. Outros são ovíparos, é só um núcleo que amadurece.”
Com a maturidade passou a adquirir mais técnica e a escrever mais filosoficamente, como no poema que dedicou para o Paulo Leminski: “A casca espinhenta/ guarda a macia doçura da polpa.” Sua obra cronologicamente representa uma vida de evolução intelectual, dedicou-se ao magistério por 23 anos e fez parte da Academia Paranaense de Letras, sendo a segunda mulher a fazer parte do grupo. Como em todo autor podemos encontrar diálogos com outros escritores, em Kolody a um paralelo com Cecília Meireles, foi leitora de Proust, Shakespeare, Fernando Pessoa e da Bíblia.
Sempre acompanhada de uma solidão única, refletindo sobre a morte acaba em suas últimas obras por apontar o valor da vida, e acredita que a poesia pode mudar vidas: “São palavras que decidem a sorte dos homens e o destino das nações.” Então, deixa o pessimismo de lado e em palavras: “Se tens um elogio a proferir é tempo agora”. Enfim, a poesia de Helena Kolody está ligada com o metafísico, com o transcendental, simplesmente surge, existe e não se explica. Se sente.
Quando perguntada sobre a morte disse: “Não temo a morte porque creio no Eterno. O sonho continua sendo a minha matéria.” Seu sonho se materializou em poesia, portanto ela se tornou ETERNA.
escrever sem parar
para
nâo parar
de respiar
ar

karine

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ana Cristina César: uma doçura venenosa de tão funda.

Ana C. como assinava, está entre os principais poetas representantes da literatura dita marginal, junto com Paulo Leminski, Cacaso, Francisco Alvin e Waly Salomão. Foi uma poetisa que inovou, escreveu de forma inexistente, foi como Frida Khalo, assim como esta se autoretratou em sua pintura, Ana se retratou em suas poesias, em seus poemas- prosa, escreveu em primeira pessoa, sua obra é confessional, em palavras poéticas questionou-se: “Pergunto aqui se sou louca/ quem quer saberá dizer/ Pergunto mais, se sou sã/ E ainda mais, se sou eu/ Que uso o viés pra amar/ E finjo fingir que finjo/ Adorar o fingimento/ Fingindo que sou fingida/ Pergunto aqui meus senhores/ Quem é a loura donzela/ Que se chama Ana Cristina/ E que se diz ser alguém/ É um fenômeno mor/ ou é um lapso sutil?”, e poeticamente se afirmou: “Forma sem norma/ defesa cotidiana/ conteúdo tudo/ abranges uma Ana.” Enfim Ana C. traduziu-se em poesia, transformou-se em arte.

Nasceu em 2 de janeiro de 1952, no Rio de Janeiro, era de família culta e de classe média, desde pequena sentia uma forte atração pela literatura, mesmo sem ser alfabetizada, com apenas quatro anos já recitava poemas para que adultos escrevessem, escrevia compulsivamente, “escrevo in loco, sem literatura”. Foi apaixonada por Drummond, Pessoa, Baudelaire, mas o que exerceu mais influência sobre a escritora carioca foi a literatura inglesa de Emily Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield.

Sua vida foi voltada toda para a arte, para os estudos, estudou literatura, tradução e cinema, formou-se em Letras na PUC do Rio de Janeiro, fez mestrado em comunicação na UFRJ, e mestrado em tradução na Inglaterra na universidade de Essex.

Escreveu para jornais, revistas, foi jornalista, deu aulas e publicou independente seus livros: Cenas de Abril, Correspondências Completas e Literatura não é documento, mais tarde os dois primeiros reunidos, junto com Luvas de pelica no livro A teus pés, pela editora Ática, e postumamente foram lançados: Inéditos e dispersos e Crítica e tradução.

Na leitura de seus poemas vemos sua imagem, ela embriagou-se da liberdade da forma e misturou prosa com poesia, Armando Freitas Filho, escritor e amigo intimo de Ana diz no prefácio de A teus pés: “A prioridade volta a ser pelo semântico, e se conteúdo e forma são mesmo dissociáveis, aquele é que determina esta. O resultado que daí advém é o de um texto quase sempre na primeira pessoa, confessional, que está próximo do formato do ´querido diário` adolescente, que dialoga com um interlocutor mutante, misto de pessoa e personagem.”

A autora de A teus pés ficou conhecida mundialmente, principalmente por fazer parte do livro 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque de Holanda, a qual foi professora da poetisa. A crítica sobre a vida e a obra da escritora ainda é muito escassa, porém cada vez mais ela está se tornando centro dos estudos da literatura marginal, pois como disse Mariana Várzea em seu ensaio intitulado “Ana Cristina César ou o vôo da águia”: “Ana C. foi a própria encarnação da modernidade. Soube ser feminina sem ser feminista, sem estar ideologicamente presa a nada. Talvez por isso, tenha morrido cedo, fazendo sobre nossa terra uma passagem permanente. O lugar que ocupa como poeta é na linha do horizonte - virtual e veloz. Seu verso, que pertenceu à vertente cultivada da geração que apareceu em 70, é, hoje, a pedra fundamental de toda a poesia que se quer nova.” E ainda hoje são encontrados escritos inéditos da poetisa.

Sua poesia é forte, cortante, as palavras que utiliza são suculenta, escorregadias: lubrificadas, “Olho muito tempo o corpo de um poema/ até perder de vista o que não seja corpo/ e sentir separado dentre os dentes/ um filete de sangue/ nas gengivas.” Manuel Ricardo de Lima escreveu sobre a poetisa no caderno Vida e Arte do Jornal O Povo em 21/07/1998: “Ana escreveu uma poesia que dialoga intensivamente com a página em que ela está sendo escrita, uma espécie de andamento musical, quase síncope.” Ela procurou atingir o impossível, Armando Freitas filho disse que Ana “queria pegar o pássaro sem interromper seu vôo”, tentou chegar aonde não se chega em vida e portanto resolveu sair de cena deste mundo cedo para poder “perceber o invislumbrável no levíssimo que sobrevoava”, e em 29 de outubro de 1983 Ana se suicidou, criou asas para voar, como escreveu “eu não sabia que virar pelo avesso era uma experiência mortal”, a morte foi a solução para sua realização, para suas dúvidas, para seu vôo: “Não verei mais a lua de perto/ Talvez me irrite pisar no impisável/ E a morte deve ser gostosa/ Recheada com marchemélou/ Uma lâmpada queimada me contempla/ Eu dentro do templo chuto o tempo/ Uma só palavra me delineia/ VORAZ/ E em breve a sombra se dilui,/ Se perde o anjo.” Essa foi Ana C. uma mulher que soube tornar-se arte em pessoa, e que “ a ponto de partir, já sei/ que nossos olhos/ sorriam para sempre/ na distância./ Parece pouco?/ Chão de sal grosso, e ouro que se racha./ A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância/ lentes escuríssimas sob os pilotis.” Sua poesia se mistura com sangue quente, é ardente e devoradora, ler sua arte literária é tornar-se uma Ana.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

NO POEMA


E NAS NUVENS,

CADA QUAL DESCOBRE

O QUE DESEJA VER.



KOLODY
DESVANEIOS

Pequenos motivos
Súbitos silêncios,
palavras inesperadas
geram decisôes.
um encontro ocasional
altera todo um destino.

HELENA KOLODY