DECIFRA-ME OU DEVORO-TE

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

HELENA KOLODY: esfinge de olhos azuis

         "DEUS DÁ A TODOS UMA ESTRELA
UNS FAZEM DA ESTERLA UM SOL
OUTROS NEM CONSEGUEM VÊ-LA"

“A frase/poema sai do cotidiano, passeia pela experiência da sensibilidade e termina por acertar no ponto limítrofe entre o pensar e o sentir.” É o que Alice Ruiz diz em artigo para Galiere em 1987, sobre a obra de Helena Kolody, como se autora e poesia se tornassem uma mistura homogênea no ato da escrita, “num aperfeiçoamento em que espírito e técnica se fundem para deixar em nós, definitivamente, o perfume da mais autêntica poesia.” (RUIZ). E é assim que se pode definir Kolody, não apenas uma poetisa, mas sim, a poesia em si, como se ambas fossem uma coisa única.
Desde pequena Kolody adorava ler e escrever, seus primeiros poemas foram escritos com apenas 13 anos de idade. Nunca se esqueceu de suas origens, foi a primeira brasileira de sua família ucraniana: “Olha pela janela azul do meu olhar/ sereno e transparente, onde se esconde calma/ a misteriosa esfinge eslava que é minh’alma./ Se olhares bem, verás, por certo, desdobrar-se/ Pela minh’alma adentro a estepe soberana.” Sua obra esteve sempre ligada com a cultura de suas raízes: “Na memória do sangue,/há bosques de bétulas,/ estepes de urzes floridas./ canções eslavas.” Com sua terra natal, nasceu em Cruz Machado-Pr e passou a infância em Três Barras – SC e Rio Negro- PR: “Vim de meu berço selvagem,/ lar singelo à beira d’água,/ no sertão paranaense.” E principalmente com Curitiba, cidade onde cresceu e evoluiu intelectualmente: “Por fim ancorei para sempre/ em teu coração planaltino,/ Curitiba, meu amor!”
Helena foi professora de biologia, suas aulas eram recheadas com poesias, no final das aulas lia um de seus poemas para a classe, todos ficavam encantados procurando decifrar o “enigma/professora de olhos azuis”, que sempre foi muito misteriosa.
A autora viveu uma espécie de afastamento, não isolado, mas sim de observações deste demasiado mundo, e dessa observação um pouco narcisista, com olhos esfíngicos, dentro de um eu que se transfere ao leitor, como diz Paulo Venturelli: “o que a de pessoal, na verdade, adquire uma coloração de interpessoal para permitir uma identificação mais plena com o leitor”, a autora cria poemas que são cheios de sonhos, de uma dimensão maior que a realidade, de um sono acordado, ou melhor: “do longo sono secreto/ na entranha da terra,/ o carbono que acorda diamante.”
O sono/sonho está presente em muitos de seus poemas, “Quando sonho, sou outra/ inauguro-me”, na verdade ela se inaugurava quando escrevia: “vejo melhor/ quando sonho/ de olhos fechados”, pois na verdade: “na realidade eu sonho palavras.” E apesar de querer ser só oniricamente, seus poemas a ligam com o mundo exterior, Venturelli nos diz que “ela precisa do leitor, já que pretende agir sobre ele por meio de magia. Então, cuidadosamente, deixa alguma porta entreaberta: afasta um eu excessivo e abre campo para a interferência do leitor”.
Seus primeiros escritos são mais líricos, onde se pode constatar o amor impossível, amor que ala guardou só para si e para a poesia, pois não se casou e não teve filhos. Sabemos só que um amor existiu, pelo menos poeticamente: “(...) Eterno sonhador, teu vulto pensativo/ vive na timidez do meu amor esquivo.” O amor para ela se tornou apenas sonho e literatura: “fomos duas arvores casta./ não misturamos as raízes./ Apenas enlaçamos/ os ramos/ e sonhamos juntos”.
Outro traço marcante em sua poesia é sua fé, sempre foi muito católica, inclusive um de seus poemas recebeu o imprimatur da igreja e se tornou oração: “Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,/ de ser o coração singelo que perdoa,/a solícita mão que espalha, sem medidas,/ estrelas pela noite escura de outras vidas/ e tira d’alma alheia o espinho que magoa”. E, conclui-se que Deus atendeu seu pedido, pois era adorada por todos, Leminski sobre ela relata: “Mãe querida, nada como ter uma fada na vida.”
A maior realização literária se dá com os haicais e poemas curtos , foi uma das primeiras brasileiras a se aventurar na arte oriental, sua poesia mínima pode ser comprada com um vôo breve de águia, leve, veloz e impressionante: “Prisioneiro do nada/ pássaro mutilado/ que a distancia fascina.” Foi Andrade Muricy quem a incentivou a investir nessa técnica, um fleche de palavras que remetem a uma enorme imagética. “Escrevo por prazer. As vezes meus poemas afloram por inteiro. São os que chamo de vivíparos. (...) Estes são os melhores e geralmente estavam hibernando dentro de mim. Outros são ovíparos, é só um núcleo que amadurece.”
Com a maturidade passou a adquirir mais técnica e a escrever mais filosoficamente, como no poema que dedicou para o Paulo Leminski: “A casca espinhenta/ guarda a macia doçura da polpa.” Sua obra cronologicamente representa uma vida de evolução intelectual, dedicou-se ao magistério por 23 anos e fez parte da Academia Paranaense de Letras, sendo a segunda mulher a fazer parte do grupo. Como em todo autor podemos encontrar diálogos com outros escritores, em Kolody a um paralelo com Cecília Meireles, foi leitora de Proust, Shakespeare, Fernando Pessoa e da Bíblia.
Sempre acompanhada de uma solidão única, refletindo sobre a morte acaba em suas últimas obras por apontar o valor da vida, e acredita que a poesia pode mudar vidas: “São palavras que decidem a sorte dos homens e o destino das nações.” Então, deixa o pessimismo de lado e em palavras: “Se tens um elogio a proferir é tempo agora”. Enfim, a poesia de Helena Kolody está ligada com o metafísico, com o transcendental, simplesmente surge, existe e não se explica. Se sente.
Quando perguntada sobre a morte disse: “Não temo a morte porque creio no Eterno. O sonho continua sendo a minha matéria.” Seu sonho se materializou em poesia, portanto ela se tornou ETERNA.

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